quarta-feira, 12 de maio de 2010

Educação geográfica: Educação Humanista e ética




Estas ideias contemporâneas acerca da Educação são reflexo da complexidade que tem-se apresentado cotidianamente, de forma escalonaria, a todos os habitantes do planeta. Esta complexidade se apresenta na esteira do desenvolvimento cognitivo, social, cultural, político e econômico, com o avanço das técnicas, da ciência e do próprio saber humano. Se a educação moderna ensinou de forma fragmentada, pode a educação contemporânea ensinar de forma complexa?
Edgar Morin, um dos grandes expoentes do pensamento complexo, fez importante e bem veiculada reflexão, a pedido da Organização das Nações Unidas, sobre o que chamou de Os sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN, 2001). Os sete saberes são: as cegueiras do conhecimento: erro e ilusão, os princípios do conhecimento pertinente, ensinar a condição humana, ensinar a identidade terrena, enfrentar as incertezas, ensinar a compreensão e a ética do gênero humano.
O que aprendemos destes saberes? Morin procura mostrar através deles que o conhecimento racional e limitado não consegue abarcar a complexidade do mundo, por isso este valor, complexidade, implica na busca do que chama de conhecimento pertinente, que é aquele que não causa repulsa nos estudantes, mas que possibilita-os apreender os problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais. Nestes dois saberes, têm-se implícito a busca de um conhecimento não fragmentário, porém, não se deve buscar um conhecimento totalizador, pois este é tão limitado quanto o anterior. O conhecimento pertinente reconhece que, em meio à complexidade do real, não é possível nunca a compreensão total. É por isso, também, que a busca do conhecimento torna-se um esforço infinito.
Em vista disso, ensinar a condição humana é mostrar exatamente a complexidade inerente ao próprio ser humano. Morin mostra como o ser humano é, a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico. Neste sentido, o autor acredita que a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino. Morin mostra que o que nos caracteriza e, por isso, deve estar presente na prática educativa, é nossa unidualidade, que implica nossa condição de ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, e as relações indiciocráticas do indivíduo (na unidualidade cérebro-mente) com a sociedade (cultura), e as forças que agem entre razão/afeto/pulsão e as relações e interações entre indivíduo/sociedade/espécie. Não há como dissociar, no pensamento ou na prática educativa, cada uma destas esferas. O ser humano é este todo complexo, cada um uma unidade singular, impossível de ser duplicado na sua unidualidade. Ensinar a condição humana é atributo fundamental de uma educação humanista, tornando, assim, o “homem como a medida das coisas”.
Ensinar a identidade terrena insere-se como uma necessidade tanto ética quanto social. A importância deste saber está na confrontação atual de todos os seres humanos com os mesmos problemas de ordem planetária. Existem grandes questões que não podem ser resolvidos sem uma consciência de identidade planetária, que prescinde uma re-discussão dos pressupostos éticos firmados pela modernidade. O autor não salienta a sociedade global, no sentido do esfacelamento das fronteiras dos Estados-nação. Antes, a identidade terrena é um sentimento de pertença à espécie humana e, por isso, também compõe traço fundamental a uma educação humanista, que tem como fundamento o valor humano, como espécie, empreendido na sua “aventura” sobre a face deste planeta. Ensinar a identidade terrena possui um traço ético marcante, por focalizar a necessidade de considerar-se, cada um, habitante do planeta e este como sua pátria, imperando em todos um comportamento responsável e ético em todas as esferas, desde a política e social, até a cultural e ambiental.
Nesta Pedagogia da Complexidade Ambiental, está implícito e explícito o enfrentamento das incertezas. Morin aponta para o pensamento racionalista como tendo estabelecido uma ordem das coisas. Ordem que reclama certezas. Mas estas certezas não existem. O autor mostra que, em nossa sociedade, as pessoas têm de aprender a conviver com o incerto, com o duvidoso, com o risco e com a insegurança. A escola não pode passar uma falsa ilusão de que o mundo é composto por verdades estabelecidas e que sempre haverá alguém, como o professor, que possuiu todas as respostas estabelecidas desde há muito, buscando des-construir esta imagem ainda presente na sociedade. A educação deve abrir mão de seu estatuto de verdade.
Num mundo de incertezas, não se pode exigir tudo de quem nada pode afirmar. Portanto, Morin registra que é necessário ensinar a compreensão, valor ausente em nossa sociedade, mas que é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. Eis um campo de estrema dificuldade, pois requer reforma de mentalidade. Uma Educação Humanista e ética necessita de compreensão, tanto do distante quanto do próximo. Desde o infinitamente semelhante ao infinitamente distinto. O ser humano precisa compreender-se e ele não fará isso se não compreender os outros seres humanos que habitam o mesmo planeta sob a mesma condição humana.
Para fundamentar esta compreensão, é necessário desenvolver a ética do gênero humano, chamada por Morin de “antropo-ética”. Contudo, o autor salienta que não é o caso de estabelecer lições de moral. Antes, esta implica no ensino da condição humana de forma a mostrar sua singularidade e sua identidade terrena, fundamentando a inter-relação entre todos e a necessidade de compreensão mútua. É o fundamento ético de uma sociedade planetária, humana e responsável.
A Pedagogia da Complexidade Ambiental deve evocar estes saberes, constituindo-se numa espécie de substrato de suas ações. Estes valores e saberes não precisam ser exaustivamente explicados. O mais importante é que estes sejam entendidos e internalizados para que sejam manifestos em nossas ações e pensamento. De nada resolve falar sobre a Pedagogia da Complexidade Ambiental aos alunos. É necessário que os professores tenham conseguido realizar a mudança mental do pensamento fragmentado para o pensamento complexo. Este é um dos caminhos para a Educação Humanista e ética.
A questão que paira a nossa frente é: como pode a educação geográfica internalizar estes valores? Através do Humanismo! Que humanismo? Como valor e orientação teórico-metodológica.
Anne Buttimer (1992), uma das principais referências da Geografia Humanística[5], em texto sobre os riscos e esperanças do Humanismo em Geografia, mostra como o Humanismo está presente na Geografia muito antes dos esforços da Geografia Cultural e da Geografia Humanística. Um dos valores humanistas abordados pela autora, a paideia, possui estreita vinculação com a Geografia desde os seus primórdios. A paideia é o descobrimento, combinando aspectos emocionais, estéticos e intelectuais na busca científica, promovendo o entendimento entre pessoas de todas as origens. Buttimer assinala que este propósito humanista é um exercício freqüente nos trabalhos de campo dos geógrafos, o qual faz parte da identidade da Geografia e é uma prática marcada desde a Geografia Tradicional. A autora salienta que a paideia é a própria atividade de campo, que leva os estudantes a um ambiente totalmente distinto da sala de aula: reuniões informais, a sensação de que seu professor mostra interesse, a possibilidade de manter uma conversação além do que é permitido na sala de aula. Desta forma, Buttimer (1992, p.43) destaca:
En el alma de la paideia descansa, pues, una forma especial de aprendizaje que agudiza el apetito en lugar de saciarlo; se quiere así despertar la conciencia acerca del contexto medioambiental de la experiencia humana. El creciente dominio del logos, de los cursos por escrito, ha tendido a ahogar una gran parte de ese descubrimiento, que fue fundamental en las expectativas originales de la geografía.

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