terça-feira, 11 de maio de 2010

A crise ética




Fragmentação do sujeito, nadificação da verdade, ausência de sentido, ininteligibilidade das coisas, irracionalidade do discurso — esses são os traços predominantes do século XX, sem aparentes
perspectivas de qualquer segurança ou conforto no limiar do XXI. Tudo isso, evidentemente, gerou uma crise de valores, sem precedentes na história humana. Jacqueline Russ se refere a um "vazio
ético": "Vivemos num momento em que as referências tradicionais desapareceram, em que não sabemos mais exatamente quais podem ser os fundamentos possíveis de uma teoria ética. O que é que, hoje, nos
permite dizer que uma lei é justa? Nós o ignoramos. É num vazio absoluto que a ética contemporânea se cria, nesse lugar onde se apagaram as bases habituais, ontológicas, metafísicas, religiosas da ética pura ou aplicada. A crise de fundamentos que caracteriza todo nosso universo contemporâneo, crise visível na ciência, na filosofia ou mesmo no direito, afeta também o universo ético. Os próprios fundamentos da ética e da moral desapareceram. No momento em que as ações do homem se revelam grávidas de perigos e riscos diversos, estamos precisamente mergulhados nesse niilismo, essa relação com o 'nada', do qual Nietzsche foi, no século passado, o profeta e o clínico sem igual."
A partir desta constatação, Russ busca delinear o que seriam as propostas éticas que se põem no mundo contemporâneo. Da mesma maneira, busca-se a resposta a esse impasse num diálogo entretido
entre Umberto Eco e o cardeal Carlo Maria Martini, diálogo no qual intervieram outros interlocutores, procurando argumentos para responder ao cardeal sobre "o fundamento último da ética para um
leigo, no quadro 'pós-moderno'." Havia indagado Martini:
"Concretamente: em que se baseia a certeza e imperatividade de seu agir moral que não pretende fazer apelo, para fundar o absolutismo de uma ética, a princípios metafísicos ou, de qualquer modo, a valores transcendentes e sequer a imperativos categóricos universalmente válidos?" E as respostas são as mais discrepantes entre si.
Após observar com propriedade, na mesma linha das obras acima que: "O famoso 'fim das ideologias', que em toda parte é proclamado como a boa nova que modela o 'retorno da ética', significa de fato a
adesão às trapaças da necessidade e um empobrecimento extraordinário do valor ativo, militante, dos princípios", Alain Badiou também ensaia uma proposta ética para a contemporaneidade.
Esses livros citados são exemplos de um quadro geral. Após a perplexidade angustiada, procura-se um remédio ético para orientar o agir humano, já que até mesmo Nietzsche reconhecia a necessidade de
valores. Mas a multiplicidade, a complexidade e, muitas vezes, a inconsistência dos discursos deixam o sabor amargo de que é bem difícil arranjar uma ética que sirva concretamente ao agir humano,
sobre os escombros do sujeito autônomo, trucidado pelos pós-modernos.
Reconhece Badiou: "Se não há ética 'em geral', é porque falta o sujeito abstrato, aquele que deveria possuí-la. Não há senão um animal particular, convocado pelas circunstâncias a se tornar sujeito. Ou melhor, a entrar na composição de um sujeito."
Não há como dissociar proposta ética de concepção de homem. E se o homem está morto, onde enraizar qualquer concepção de ética?
Por mais se debatam os que pensam o mundo esvaziado de sentido,

142 RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo, Paulus,
1999, p. 10.
143 ECO, Umberto & MARTINI, Carlo Maria. Op. cit., p. 69.
144 BADIOU, Alain. Ética, um ensaio sobre a consciência do mal. Rio de
Janeiro, Relume-Dumará, 1995, p. 45.

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Agradeço seu comentário, lembrando apenas que cada ser tem uma opinião individual, e daí aceitar criticas, mas que sejam dentro dos valores do respeito e da boa fé..
abraço